Há exatos 77 anos surgiu no meio literário brasileiro um dos mais polêmicos livros já publicados. Tratava-se de uma antologia poética que reunia grandes nomes da poesia portuguesa. O nome da obra era “Parnaso de Além Túmulo”, um livro espírita cuja autoria era atribuída a poetas já desencarnados, mas, efetivamente, constituía-se na primeira obra psicografada pelo então jovem médium Francisco Cândido Xavier.
A primeira edição de 1932 trazia sessenta poemas, assinados por nove poetas brasileiros, quatro portugueses e um anônimo. A partir da segunda edição, publicada em 1935, foram sendo gradualmente incorporados novos poemas à obra até à 6ª edição, publicada em 1955 quando se fixou a quantidade de poemas em duzentos e cinquenta e nove, atribuídos a cinquenta e seis autores luso-brasileiros, entre renomados e anônimos.
Essa obra é motivo de polêmica até hoje porque se trata de uma prova material da reencarnação dos espíritos e da comunicação entre vivos e mortos; já no plano da teoria da literatura causa dificuldade na definição de criação e autoria; e no plano da inteligência linguística causa espanto quanto ao domínio dos diversos estilos na criação literária. É importante lembrar que Chico Xavier só estudou até a quarta-série do ensino fundamental e na época do lançamento do livro, trabalhava das 7h ás 20h como caixeiro de um armazém em Uberaba.
Outro fato que grita aos olhos é que a referida publicação reúne 56 autores de diversas escolas literárias. Entre os autores se incluem: os simbolistas Cruz (1861–1898) e Alphonsus de Guimaraens (1870–1921), o simbolista/parnasiano de Augusto dos Anjos (1884–1914); poetas românticos como Casimiro de Abreu (1839–1860) e; o estilo satírico de Artur de Azevedo (1855–1908); o parnasianismo de Olavo Bilac(1865–1918); o realismo de Júlio Dinis(1839–1871); entre outros.
O escritor Humberto de Campos escreveu para o Jornal Diário Carioca: “Eu faltaria, entretanto, ao dever que me é imposto pela consciência, se não confessasse que, fazendo versos pelas penas do Sr. Francisco Cândido Xavier, os poetas de que ele é intérprete apresentam as mesmas características de inspiração e de expressão que os identificavam neste planeta. Os temas abordados são os que os preocuparam em vida. O gosto é o mesmo e o verso obedece, ordinariamente, à mesma pauta musical. Frouxo e ingênuo em Casimiro, largo e sonoro em Castro Alves, sarcástico e variado em Junqueiro, fúnebre e grave em Antero, filosófico e profundo em Augusto dos Anjos. (Humberto de Campos se referiu a primeira edição de “Parnaso de Além-Túmulo”, é a partir da segunda edição que há um texto atribuído a ele “em espírito”). O escritor Monteiro Lobato disse: “Se Chico Xavier produziu tudo aquilo por conta própria, então ele merece ocupar quantas cadeiras quiser na Academia Brasileira de Letras”
Por outro lado Agripino Grieco objeta escrevendo para o Diário da Noite: “Os livros póstumos, ou pretensamente póstumos, nada acrescentam à glória de Humberto de Campos, sendo mesmo bastante inferiores aos escritos em vida. Interessante: de todos os livros que conheço como sendo psicografados, escritos por intermédio de um médium, nenhum se equipara aos produzidos pelo escritor em vida.” Leo Gilson Ribeiro para a revista Realidade: “Uma coisa é clara: quando o ‘espírito’ sobe, sua qualidade desce. É inconcebível que grandes criadores de nossa língua, depois da morte fiquem por aí gargarejando o tatibitate espírita”.
Segundo o próprio Chico Xavier na breve introdução publicada na edição de 1931, ele afirma: “Jamais tive autores prediletos; aprazem-me todas as leituras e mesmo nunca pude estudar estilos dos outros, por diferençar muito pouco essas questões. Também o meio em que tenho vivido foi sempre árido, para mim, neste ponto. Os meus familiares não estimulavam, como verdadeiramente não podem, os meus desejos de estudar, sempre a braços, como eu, com uma vida de múltiplos trabalhos e obrigações e nunca se me ofereceu ocasião de conviver com os intelectuais da minha terra. O meu ambiente, pois, foi sempre alheio à literatura; ambiente de pobreza, de desconforto, de penosos deveres, sobrecarregado de trabalhos para angariar o pão cotidiano, onde se não pode pensar em letras.”
Seja como for, o verdadeiro valor do livro “Parnaso de Além Túmulo” não paira somente na qualidade linguística ou na quantidade de escolas literárias que passeiam nas 700 páginas do livro. Sobretudo, reside nas paisagens poéticas cantada nos versos, nas prosas e nas rimas dos poetas que nos trazem notícias da vida depois da vida.